Que loucura

Gabriele.
3 min readDec 22, 2023

Resolveu descer até o térreo para fumar um cigarro. Já eram 3 dias frequentando o ambiente estéril de um hospital, aquele odor alcalino dava uma vontade incontrolável de poluir o corpo.

Acendeu seu cigarro e respirou fundo aquele cheiro de escapamento e suor que só se encontra no centro da cidade. Sentiu uma clima de hostilidade do ar, as pessoas andavam desconfiadas, olhando para os lados. “Deve ser o sentimento do fim do mês”, pensou. Achou melhor voltar para o quarto da sua avó e ajudá-la a arrumar as malas, antes de pedir o Uber.

Malas arrumadas, Lina chama o Uber e as duas pegam o elevador para descer.

Chegando na recepção, chega o Uber — um carro branco, quadrado com paredes de acrilíco, uma espécie de Fiat Toro adaptada da Mercedes. Ao conferir se era aquela placa mesmo do seu Uber, percebeu que ele estava finalizando uma corrida ali no hospital mesmo. De dentro do carro sai um senhor de túnica branca com bordados em dourado e chapéu pontudo. Sem acreditar nos seus olhos, chamou pelo motorista:

— Jorge?

— Isso mesmo! Lina né? Lina, o seu Francisco só veio dar uma benção e vai precisar ir pra rodoviária na sequencia, como é o mesmo destino de vocês, imaginei que não se importariam de dividir essa corrida, tudo bem pra vocês?

Lina atordoada olha para o lado e sua avó está beijando a mão esquerda do papa, enquanto com a direita ele chama o elevador.

Sua avó eufórica aceita dividir o Uber com o Papa Francisco, é claro, mesmo que tenha que esperar, é uma honra dividir uma corrida com um homem tão santo. Ambas entram no papamóvel, esperando o velho voltar. Enquanto isso, Lina continua a pensar naquele clima estranho na rua, e percebe que muitos daqueles homens estão de uniforme de exércitos antigos. Não sabia nem dizer que ano se remetia aquelas vestes; as pessoas falavam línguas variadas e algumas irreconhecíveis, mas todas muito bravas; um tom indignado, violento.

O velho finalmente chega e entra no carro, segurando o chapéu no colo.

— Seu Francisco, esses caras estão por todos os lados. Vou tentar um atalho para despistar. — disse Jorge, o motorista.

— Confio em você, meu irmão. — disse o papa com a mão esquerda sobre o ombro direito de Jorge. — Fiquem tranquilas minhas irmãs, que o senhor esteja conosco. — falou calmamente olhando para o banco de trás, com Lina e sua avó.

O motorista confirma a trava das portas, olha para frente e segura firme no volante. Embica o papamóvel para subir a avenida, que está cercada de exércitos bizantinos, muçulmanos, árabes e todos os atingidos pela guerra santa, ao lado de indígenas latinos que passaram pela colonização cristã, armados de flechas até os dentes.

Jorge engata a primeira, olha para todos no carro e diz:

— Seja o que Deus quiser.

“como eu vim parar aqui”

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