Reflexões afetivo-politicas

Gabriele.
4 min readJun 2, 2021

Não tenho a menor pretensão de ser linear na minha reflexão. É um amontoado de coisa que aparece vez ou outra na minha cabeça e regurgitei aqui.

A monogamia, como um padrão, carrega consigo o sentimento de posse, porque o outro te pertence a partir do momento em que estão em uma relação, a dependência emocional, em que o outro passa a ser o sentido da sua existência (é impossível ser feliz sozinho) e assim a obrigação de viver para o outro, onde por base, é erradíssimo ter uma vida além da relação.

A monocultura dos afetos. A hierarquia entre as relações afetivas - no jogo do amor, a amizade vale menos que sue namorade, claro.

A estrutura serve para reforçar cada vez mais o individualismo. Fechar pessoas em bolhas produtivas em que seu afeto é castrado e reduzido para sobrar mais energia para o capital - nunca esquecer que a sexualidade é pulsão de vida e uma pessoa que não expressa essa pulsão no prazer, ela expressa na dor - uma dessas dores é o trabalho. Afinal, máquinas não amam.

Não sei se li ou se sonhei uma vez, que a alienação pelo trabalho começa na castração mental-sexual. Não sei se procede até o fim, mas faz sentido na minha cabeça.

Não sei se burocraticamente, mas socialmente é inconcebível que duas pessoas que não tem a dita relação padrão marido-mulher possam comprar uma casa. Dois amigos por exemplo.
Há muitos amigos que são mais parceiros de vida que os ditos parceiros.

Dois casos recentes que acompanho de perto:

Um casal de lésbicas tiveram dois filhos - gêmeos, frutos de uma inseminação artificial de um doador desconhecido. Elas estão em uma luta ferrenha na justiça para que as duas sejam reconhecidas como mães - consta apenas o nome da que pariu nos documentos das crianças. As duas são indiscutivelmente um casal. As duas são mães. Mas não conseguem esse reconhecimento - não só burocrático mas social também: diversos relatos de abordagens com "quem é a mãe?".

O outro caso, uma amiga conheceu um macedônio fora do Brasil, começaram a namorar, ele veio com ela, e vão se casar de papel passado pra ele poder ficar no Brasil por burocracias de visto. Se fossem grandes amigos, daqueles que se tornam irmãos, parceiros de vida, que querem compartilhar a vida de maneira não amorosa, isso seria possível?

O amor foi institucionalizado.

Você pode estar se perguntando o que essas histórias tem haver com a cultura monogâmica.
Eu te digo, tudo.

A monogamia é uma cultura sólida, estruturada sobre os preceitos burgueses.
A monogamia não é só um sistema de relação onde você só tem um parceiro amoroso-sexual, mas um padrão burocrático. Fruto de quando grandes quantidades de terra estavam em jogo, o medo de sua fortuna ir para um pobre por um erro de percurso. Melhor documentar o filho oficial - e a parceira oficial - pra não correr o risco de ter seu legado manchado, ocupado pelos pobres, filhos das amas, também seus filhos.
É um jogo de poder.
Um dia alguém pensou "como fazer os pobres acatarem essa mesma lógica, já que eles não têm terras pra passar - e podem reivindicar as minhas?? É por isso que além de burguesa, a monogamia é cristã. Deus fez o homem e a mulher para serem um só, uma só carne - eva carinhosamente tirada da costela de Adão, não da cabeça pra ficar acima dele, nem do pé para ser pisada por ele, mas sim da costela, para estar ao lado dele.

Bom, não sou nem cristã e muito menos burguesa.

Tenho sobre os afetos um olhar generoso - porque o afeto é sobre generosidade.
Tenho grandes amores - não sei amar pouco - todo amor é meu grande amor. Esses amores se transformam, se adaptam, alguns se transformam em ódio, tristeza, indiferença, mas isso não apaga que foi, um grande amor. E isso é sobre relação romântica, relação de amizade, relação familiar. Aceito também que tudo tem um ciclo. Alguns mais duradouros, outros menos, alguns acredito que sejam eternos, mas ainda não cheguei ao final pra afirmar com certeza. Mas amo com todo meu coração, todos que amo.
E sou apaixonada. Meu peito ta sempre preenchido por alguma paixão - me apaixono fácil por pessoas, lugares, situações, momentos, animais, músicas, fotografias, filmes. Meu peito pulsa. A paixão é minha maior pulsão de vida.

Quando falo de não monogamia não é sobre o exato oposto de monogamia e se relacionar romanticamente com mais de uma pessoa.

Talvez seja o momento de criar novas palavras não tão dicotômicas e binárias.

Falo sobre construir relações com o preceito de se enxergar e enxergar o outro como um indivíduo, com vontades, desejos e sonhos únicos, sobre a liberdade de ser. O não pudor de admirar, as vezes até desejar - e aqui não falo de fetichização que construimos pela pornografia q está em tudo o que vemos (isso rende outra longa reflexão, quem sabe na próxima), mas o desejo puro, o corpo pelo corpo. Desapego não é sobre não se importar, mas se importar tanto a ponto de querer que o outro seja livre e independente, mesmo que isso signifique que em algum momento você não esteja mais no plano do outro. A vida é orgânica. Por que o amor não seria?
Entender que temos uma capacidade imensa de nos apaixonar por tudo que faz nosso coração pulsar.

Como você chamaria esse tipo de relação?

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